quinta-feira, dezembro 21, 2006

"Só é vencido quem desiste de lutar."

A notícia tem já meia dúzia de semanas. E impressionou-me pela violência rara e brutal dos factos relatados.Recorrendo a meios típicos da Pré-História informática, recortei-a e foi para o dossier dos "assuntos pendentes", à espera de uma oportunidade para escrever sobre o assunto. A escassos dias do Natal, um tempo próprio de celebração da vida, surge a ocasião adequada.Vamos ao tema. Era uma breve, vinha num baixo de página do Público e dizia, em síntese, o seguinte: "Uma rapariga de 21 anos subiu ao telhado do edifício da câmara da cidade alemã de Lorrach, com a intenção de pôr termo à vida. Uma multidão de mirones juntou-se na praça e uma parte dos presentes, na sua maioria entre os 16 e os 19 anos, encorajaram a jovem a saltar (!) [o ponto de exclamação é da responsabilidade do autor deste texto]. Alguns sem-abrigo, que habitualmente ocupam o lugar, protestaram. Os ânimos aqueceram e em pouco tempo havia mais de 40 pessoas envolvidas em confrontos. A polícia teve de intervir para separar os dois grupos e seis agentes ficaram ligeiramente feridos. A jovem acabou por descer e foi conduzida a uma clínica da região."Sempre encarei o suicídio como uma desistência. Já vi, ao longo da vida, muita tristeza e desespero, desilusões imensas, dores brutais que trazem a negritude dos horizontes. E sei que a mente humana é um mundo complexo, com profundezas onde não impera a lógica, com distorções que dominam os comportamentos e eliminam a razão. E também não ignoro que há situações terminais, em que a chegada da morte natural pode ser um alívio.Mas conheci também resistentes, que nunca deixaram cair os braços, mesmo quando era óbvio que o caminho não tinha saída. Não vislumbro, confesso, qualquer coragem no suicídio. Há mesmo, no Jardim do Colégio, em Ponta Delgada, um banco que é das poucas coisas que me afastam de Antero: foi aí, no dia 11 de Setembro de 1891, que o mais genial dos meus conterrâneos desistiu da vida.O episódio da jovem de Lorrach choca menos pelo desespero de uma rapariga do que pelo incitamento ao suicídio por parte de um grupo onde, eventualmente, estariam alguns dos seus amigos. Como é possível que jovens, "com idades entre 16 e 21 anos", tentem empurrar para a morte "um dos seus", quase como se se tratasse de uma paródia de sábado à noite, quiçá uma proeza merecedora de aplauso post mortem?E há depois a reacção, que nos reconcilia um pouco com a vida, dos sem-abrigo que se indignaram. Eles, essa gente que, pelos mais variados motivos, pouco tem a esperar do futuro, revoltaram-se contra a morte e contra aqueles que, com uma crueldade sem limites, queriam o espectáculo de um suicídio em directo.Não falta hoje quem passe pelo Natal com um sentimento de fastio. E a verdade é que o mundo moderno, nas sociedades mais de- senvolvidas, transformou a quadra num fes- tival de consumismo, com a multiplicação de ofertas e felicitações "obrigatórias" - não esquecendo as sessões gastronómicas que arruínam a elegância e ameaçam a saúde.Com ou sem convicções religiosas, pouco sobra para um tempo genuíno de celebração da vida.O jornalista deixa-vos, aqui, a propósito do Natal, o exemplo dos sem-abrigo da praça central de Lorrach como fonte de meditação. E repete a frase tantas vezes escrita nestas colunas: "Só é vencido quem desiste de lutar."